terça-feira, 16 de setembro de 2008

Pulga fresquinha

Hoje assisti a uma eutanásia.
Não foi a primeira; logo no dia de estreia tivemos um primeiro contacto com a morte...
Mas desta vez foi diferente. O Zeca já tinha ganho o meu afecto, já era um amigo. Um amigo que estava gravemente doente e que, dia após dia (esteve connosco durante 2 semanas, de forma quase diária), via a sua condição clínica piorar irreversivelmente. Irresistivelmente. Até que se transformou numa sombra de si mesmo. Não havia mais nada a fazer.
O cão era muito giro...
Mas porque é que criamos laços com os pacientes? Só torna as coisas mais difíceis!
Possivelmente no final do estágio já não me vou lembrar de ti, mas hoje senti que merecias uma homenagem, Zeca. Bom descanso!

Mudando de assunto...
Na clínica somos equipados com uma série de cassetes com frases padronizadas, que são sempre reproduzidas nas mesmas situações específicas. SEMPRE.
Quando uma dessas situações ocorre, o nosso cérebro dá um clique e, tal como se tivesse sido premido o "play", começamos a desbobinar a frase decorada.
A melhor é aquela que dizemos aos pobres bichos quando lhes estamos a enfiar uma agulha no lombo e a seguir injectamos o conteúdo da seringa, que nalguns casos dói horrores: "- olha, é só uma pulguinha... Ai que bom! Vês, é fresquinho."
Quer dizer, eu percebo que isto tenha algum efeito sobre os donos e até sirva para os sossegar um bocadinho, mas caramba! Se eu fosse um cão ou um gato ia sentir-me ofendido. Parece que estamos a gozar com eles! Damos-lhes uma ferroada e enfiamos lá p'ra dentro um líquido que parece que os está a rasgar todos e, com um tom de voz semelhante àquele que as pessoas usam para falar com as criancinhas, dizemos que aquilo é uma "pulga" e que é "fresquinho"?
Não está certo...
Ao menos que os elogiássemos! Do género:
"- És um leão!";
"- Fazes o Rex parecer um pinscher anão!";
"- Se te portares bem, soltamos-te num galinheiro durante 20 minutos!".
Ou qualquer coisa assim parecida! Os nossos pacientes iam agradecer de certeza...

No fim do dia recebemos a visita de uma colónia de pulgas infestada com um cão.
Dei por mim a agradecer o facto de elas preferirem o calor corporal dos nossos animais em vez do nosso.
Pergunto-me qual seria o destino do Mundo como nós o conhecemos e como seria o cenário pós-apocalíptico se, de repente, as pulgas passassem a preferir parasitar os humanos em vez de cães e gatos...

2 puseram o dedo na ferida:

Hariska disse...

Oh é horrível...e eu já achava isto, mas depois dos pormenores que deste sobre sensações que provocam aos bixinhos...

Enfim, acho que escreveste a frase que faria brilhar os olhos de uma certa cadela que eu conheço (e que de uma acentada só, limpou o sebo a 12 galinhas):

"- Se te portares bem, soltamos-te num galinheiro durante 20 minutos!"

No fim eram só penas, aposto.

Dr. Esticópernil disse...

VIVA O ZECA!! Ficaste cá dentro!